sexta-feira, 22 de abril de 2011

Amor Infante

Em mim, há uma doença rara
Uma insistência cara
Que me faz penar.

Pode ser azar
Talvez deva orar
Pela minha ventura.

Perco a compostura
Na tola loucura
De me apaixonar.

Caminho pelas tão sombrias,
Negras e vazias
Terras de ilusão.

Ah, meu coração!
Que sofreguidão
Por ser negligente.

Será que não aprendes
Que o amor que sentes
É uma perdição?

Ouve coração
Sem lamentação
Pelo amor infante.

Que em prazer constante
Mata num instante
Eu, criança errante.

O Espartilho

Era outono quando aconteceu o meu acidente. Raramente me recordo, mas no meu corpo ainda restam marcas.
Era uma tarde tranquila, eu caminhava por um vale no parque relembrando o prazer de infância de chutar e triturar folhas secas sob os pés.

Por aqui, caminham furtivamente homens do pior punhado social. Assassinos, traficantes, estupradores... A escória.

É deserto, apesar de belo.
           
As atividades aqui empregadas afastam os visitantes, não sei exatamente se isso me incomoda ou faz deste o melhor lugar deste parque.

Entre os arbustos e árvores ainda vejo os mesmos olhares cáusticos e severos, mas covardes que jamais ousaram me tomar ainda que em um espaço tão derradeiro.
           
Esses estupradores são como hienas, atacam apenas vítimas indefesas e quando estão desprevenidas.

Neste local todos devem alguma coisa. Por isso, apesar dos olhares, eles suspeitam de uma bela jovem que caminha sozinha.

Talvez pensem que seja uma isca.

Apesar da violência que me cerca, caminho com tranquilidade acreditando que a suspeita de uma armadilha os impedirá de me incomodar.

Ainda assim, quando me olham por muito tempo me sobe um grave arrepio pela espinha, mas este ainda é o ponto mais tranquilo do parque e mais restaurador. O risco se paga.

Esta é a casa da minha loucura e meu silêncio. Apesar do ostracismo do mundo exterior, aqui posso viver plenamente a minha natureza abstrata.

Certas vezes, é como se pudesse enxergar através de seus olhares gélidos. Um filme de tudo que eles pretendem se passa pela minha cabeça.

Para eles o sexo faz parte das preliminares, o prazer está em causar dor, está no desespero, na angústia e impotência. Subjugar as vítimas e dominar pessoas que jamais lhes dariam qualquer chance.

Escória covarde! Incapazes de conquistar qualquer coisa que seja, senão pela força.

Livre desses pensamentos, respirei fundo ao sentir a brisa úmida me tocar a face, olhei a lua timidamente se apresentando no céu e lançando sobre mim o seu olhar de piedade.

Ao fechar os olhos, me concentrava na sensação do pisar de folhas. O seu som, a brisa e... Um perfume cítrico e meio adocicado.

Abri os olhos para colher uma flor...

Bem, aquele dia foi diferente. Cinco passos a minha frente se encontrava um jovem, que como eu, parecia alienado àquilo tudo e, colhia flores e às cheirava.

Danilo.

Pode imaginar a minha surpresa? Eu já creditava que viveria daquele jeito até que por fim fosse violentada e morta ali mesmo.

A vida se resume à apenas dor e prazer. E os dois estão intimamente ligados.

Ao me aproximar, ele levantou os olhos do chão e, com um suave sorriso que foi se formando em sua expressão distante, disse:
- Olá!

Respondi com surpresa e alívio:
- Oi, você não tem medo de ficar aqui num lugar tão isolado sozinho?

Ele disse:
- Este é o lugar mais gratificante deste parque. E você, não tem?

Sorrindo e intrigada, balancei levemente a cabeça dizendo que não.

O tempo todo ele me fitava àvidamente o espartilho, subia e descia os olhos disfarçava e a ele retornava.

Conversamos horas a fio, parecia que a muito já nos conhecíamos. Em sinal de amizade, ao fim do dia dei-lhe um dos laços de cetim que enfeitavam meu espartilho.

Aqueles olhos claros. Oh Deus! Quem me dera jamais tê-los visto brilhar ao pôr do Sol enquanto apreciava o presente.

Desde então, como a última imagem antes da morte aqueles olhos se fixaram no fundo dos meus.

Encontramo-nos diversas vezes depois daquilo. Não marcávamos encontros, nem nos cobrávamos.

Mas após nos despedirmos já não via a Lua, nem as estrelas, somente pálpebras, cílios, íris... E o conjunto de toda aquela singularidade que formava aquele olhar.

Sei que todo momento é único e uma obsessão me corroia por dentro, eu queria ver dali por diante todas as formas em que aqueles olhos pudessem eventualmente brilhar.
Nossa amizade foi crescendo, minhas caminhadas já não eram sempre solitárias e, discutíamos assuntos leves e intelectualizados, exceto por um, havia naquele parque um assassino em série.

Sempre ao tocar nesse assunto, aquele arrepio glacial me subia à espinha.

Durante o outono basicamente chutamos e trituramos folhas secas, no inverno nossos papos foram mais profundos e afiados.

Danilo, de personalidade dúbia, quase sempre muito leve e doce, outras vezes de densidade profunda.

Meio tímido costumava caminhar observando os buracos que se formavam nos campos.

Chegou a primavera, as mortes continuavam, até ali já eram nove. E pelo que especulavam, as vítimas eram moças que como eu, caminhavam solitárias por ali para reflexão, por não conhecerem os perigos dali ou por tentar cortar caminho até a avenida que segue do outro lado desse campo. Ou até mesmo as que apenas andavam aos seus arredores conhecendo seus perigos, por algum motivo entravam e se afastavam das áreas movimentadas.

Diziam que o assassino atacava jovens e belas moças após uma relação sexual sem penetração e sem violência, parece que em princípio não havia resistência eram seduzidas e então atraídas para seu destino.

Era como se ele desse a elas um presente antes de sua morte. Levava ao clímax, enchia o peito de consternação e depois a morte.

Como eu disse, prazer e dor.

A primeira parecia uma fatalidade, morava nas redondezas, mas pecou por preguiça, pois não deu a volta no parque, ou por avareza evitou embarcar em uma condução que a levasse em segurança para o outro lado.
Maria Cecília Xavier vinte anos. Cortava caminho pelo parque e fora surpreendida pelo assassino. Ao que parece ela foi encontrada após três dias de busca amarrada à uma árvore. Violentada por objetos improvisados.

Danilo calculava que ele parecia ter nojo de penetrá-las.

Suas entranhas estavam caídas pelo chão, os olhos abertos como um tétrico quadro de horror, o batom vermelho borrado no rosto e no seu corpo. Ele passava o batom da vítima e a beijava. Fazia amor, depois matava.

E sempre deixava uma flor.

Pior ainda, é que estes crimes aconteciam justamente quando eu não o encontrava.

Em seguida, desapareceu uma jovem estudante que passava pelo bairro para chegar à faculdade.

Sabrina Queirós, vinte e quatro.

Assombrado correra o guarda do parque até seu posto para chamar a polícia. Por todos os lados se encontravam mechas de cabelo, sangue e massa encefálica.

Ela teve o maxilar arrancado após a morte e a blusa rasgada ocultava todos os arranhões e cortes que suportara.

Nossos encontros sempre aconteciam nos fins de tarde e por aqui ficávamos até o início da madrugada.

Vez ou outra ao encontrá-lo, ele olhava para o laço que o dei no primeiro dia, mantinha-o sempre junto de si dentro do bolso do colete ou camisa. Enchia-me de alegria pensar que o presente tinha agradado.

Agora com a primavera, a grama não estava mais úmida e caminhávamos menos. Passamos a nos sentar entre as flores ou nos bancos e falar sobre sonhos, desejos, sexo...

Ele me beijou.

Uh!...

Seu olhar aguçado penetrou meu peito e expôs tudo o que até o momento eu negara.

Assim, com o coração acelerado, mãos trêmulas e suadas empalideci como os lírios que nos cercavam. Eu não podia me mover nem para perto nem para longe. Parecia ter naquele local me enraizado ou estar com os membros congelados.

Seu rosto novamente se aproximou e agora eu retribuía.

Os lábios úmidos tocaram os meus e, a sua língua penetrou na minha boca.

Eu respirava avidamente, como sem fôlego puxei o ar pelas narinas profundamente.

Corria um tremor pelo meu corpo e agora ele me tocava, suas mãos subiam lentamente pela minha cintura, enquanto uma acariciava a minha barriga a outra se aproximava dos meus seios.

Eu o puxei para mais perto e corri a boca até a sua nuca, eu o mordia, ele me chupava o pescoço.

Então minhas mãos já tinham vontade própria, vontade que foi tomando o restante do meu corpo.

Senti sua mão pegando a minha e me puxando para um bosque florido e de vegetação alta. Foi onde nos deitamos. Eu de costas para o solo e Danilo sobre meu corpo.

Mais eufóricos, ele puxava as minhas roupas e eu as dele.

Minhas mãos, minha boca, minha língua percorriam o seu corpo. Ele percorria o meu.

Senti o seu perfume, minha mão corria até a pélvis e ele a movia lascivamente.

Escorreguei a boca, beijando-o passei pelo tórax acariciando os mamilos com a língua e o membro com a mão.

Descendo os lábios encontrei o umbigo e prossegui.

Danilo era um jovem de musculatura firme e esguia, corpo másculo e rosto afeminado.

Sempre usava roupas de tons claros e tecidos leves, também mansa era a sua fala, mas bastante incisiva.

Uma apaixonante mistura de gentileza e brutalidade.

Com a mão, Danilo invadiu com força a minha virilha.

Senti dor, senti prazer, não conseguia negar aquele toque.

Isso me fez lembrar Sofia Albuquerque, a mais jovem, dezessete anos.

Nos jornais, diziam que ela sonhava ser modelo, um rostinho lindo e virginal. Quase irreconhecível ao ser encontrada. Toda cortada e desfigurada, foi preciso identificá-la pela arcada dentária. Pelo menos os dentes desta foram deixados no lugar.

Com esta a violência sexual foi menor, porém, a brutalidade e ódio foram extremos, ferimentos apenas por penetração manual, mas chagas abertas provavelmente por instrumento pontiagudo e afiado foi isso que disseram ao delegado.
Danilo e eu sempre observávamos o trabalho da polícia criminalística sobre os corpos. Visivelmente preocupado ele observava a minha reação. Possivelmente temia que assustada eu não quisesse mais retornar ao parque.

Depois de horas a fio sendo torturada, um corte na jugular deu fim ao seu sofrimento.

As investigações pareciam ter dado finalmente um passo, com ela foi esquecida uma fita de cetim azul-marinho.

Por essas bandas qualquer um podia ser o criminoso, mas quem dentre esses ogros poderia usar cetim?

Danilo e eu entrelaçamos braços e pernas e línguas lascivamente.

Paixão, foi isso.

Dos meus lábios vermelhos escorria Shakespeare, Bocage, Cecília...

Na mente navegava Poe.

Junto com o Sol que lhe trazia um brilho hediondo ao olhar a minha razão se punha. Desejo, é este o meu mal.

Sempre fui incapaz de negar os prazeres máximos.

Com mais e mais força eu era invadida, senti dor, sangrava tentei empurrá-lo, mas, ele não parava.

Ofegante como um animal ele me mordia e quando tentei afastá-lo com mais força. Danilo me bateu no rosto duas vezes.

Seu joelho posto entre as minhas pernas me forçava a abri-las, então ele se postou entre elas.

Dor/prazer.

Mais uma vez tentei me livrar empurrando seu rosto e ele me quebrou o braço esquerdo.

Danilo disse:
- Eu sei de tudo, eu vi tudo, eu estive lá todas às vezes, o tempo todo e, eu gostei.
Te vi matar e agora quero sentir o que você sentiu ao matá-las. Quero mais, te mostrarei como se faz e te tornarei perfeita nisso.

Ele estava chegando ao seu ápice, então olhei para o lado e vi...

Do meu lado direito destacava-se uma pedra pontiaguda e, sem exitar agarrei-a com a força convulsiva que tomava meu corpo.

Senti sobre mim um líquido quente escorrer, vinha dele.

Quente, viscoso e vermelho.

Sangue.

Sim eu o atingi com aquela pedra bem na têmpora.

Maldito voyeur. Só um principiante poderia esquecer uma peça tão particular como o presente que lhe dei na cena de um crime.

Danilo caiu sobre mim trêmulo e, com certo esforço joguei seu corpo ao meu lado.

Não me lembro exatamente quem ou quando me contou, mas sabia que um homem no seu último suspiro atingia o máximo de rigidez muscular. Danilo me agarrava com força e me feria agora implorando socorro com os olhos.

Peguei um canivete que levava escondido debaixo da saia ao meu lado e lhe cortei os tendões dos braços, bati mais algumas vezes na cabeça.

Ele parecia ter entrado em colapso, mas permanecia rígido e ereto. Logo me sentei sobre seu corpo antes que toda a força na busca pela vida se extinguisse.

Pressionei-lhe a garganta com leveza aumentando sutilmente a força conforme se aproximava o meu gozo.

Ah, Danilo, Danilo, Danilo!...

Ah Danilo! Oh!

Danilo?

O gozo mútuo e comunhão perfeita.

Esmaeceu a força dos meus braços e pernas juntamente com o brilho dos seus olhos azuis.

O amor da minha vida e, eu o mato.

Por quê?

Ele foi a mais extraordinária fonte de prazer até então.

Tive de retribuir antes que ele me matasse.

Os prazeres mais sublimes são raros e de safra única.

De safra única e, arriscado foi ter um homem em meu cardápio.

- Foi bom pra você meu anjo?

...
Creio que sim, exausto caiu em sono profundo.

Algumas semanas depois, me recupero de um braço quebrado, feridas e marcas pelo corpo. Já ando sem mancar e posso novamente chutar folhas secas.

Sentada em um banco uma garota jovem de lábios carnudos e cabelos ruivos lê solitária um livro de poesias.

Aproximei-me e disse:
- Que interessante, “De olhos fechados, quando, alta noite, no outono, respiro o cheiro bom dos teus seios fogosos”, é Baudelaire?

- Sim! Ela disse: Perfume exótico.

- Você não tem medo de ficar aqui num lugar tão isolado sozinha?

- Aqui é de uma placidez singular, o risco se paga.

Sorri.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Amar-te é sofrer.


Quando te vejo triste.
Sei que não sou tudo que há no seu mundo.
Pois comigo, nem se quer uma nuvem te amedrontaria, a menos que, para te refrescar do Sol.

Quando te vejo só.
Sei que nem percebes que sempre estás comigo.
Que te levo nos olhos todo o tempo.
Que suspiro!
E em sonhos me perco
Todos os dias, todas as noites.
Queria que me visse um só dia.

Amar-te é sofrer.
Amar-te é querer doer no mais profundo.
Querer a dor de todo mundo!
É chorar por não te ter pra mim
Sorrir por te ter por perto.

Amar-te é sofrer.
Amar-te é querer ir.
Amar-te é saber que sofreria
Mais do que qualquer cristão suportaria.

É querer ficar.
É ter medo.
É fascinar-se em desvendar
Os teus segredos.

Amar-te é sofrer.
É renascer todos os dias com sorte
É ser levada toda noite
À própria morte.

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